segunda-feira, 4 de abril de 2011

Delimitando fronteiras entre Saúde e Economia

O bem mais precioso que um ser humano possui é a saúde. De nada adianta ter riquezas incomensuráveis, se a pessoa padece de enfermidades sem cura. A assistência médica é proporcional principalmente ao volume de recursos possuídos pelo indivíduo e seus próximos, em termos particulares. É óbvio que, quanto mais ricos, melhores serão suas condições de atendimento. Contudo, se o cidadão não é abastado, ele depende da assistência médica prestada pelo setor público. Como ela, no momento, não é de boa qualidade, de um modo geral, as pessoas, que podem, recorrem a empresas particulares, pagando vultosas mensalidades, para tentar obter uma assistência médica digna. E quase sempre não conseguem alcançar seus objetivos. Geralmente, o atendimento deixa a desejar. E os cidadãos que não possuem recursos para pagar planos privados? Dependem apenas da assistência médica propiciada pelo setor público, direito garantido pela Constituição. Antigamente, ela era de boa qualidade, atendendo satisfatoriamente a todos. Contudo, com o correr do tempo, ela foi se deteriorando, devido a insuficientes recursos canalizados pelas administrações federal, estadual e municipal ao importante setor.

Os países mais desenvolvidos, na década de 50, aplicavam em gastos com assistência à saúde cerca de 3% do PIB. Agora existem alguns deles que têm 16 % de seus PIBs investidos em assistência à saúde. E temos que considerar ter havido a progressiva desaceleração do crescimento populacional nesses mesmos países. Nosso sistema de saúde possui vários paradoxos. O primeiro, gerencial: improvisam-se gerentes para decidir em organizações complexas, do posto de saúde aos mais altos cargos. Atualmente, o ministro da Saúde é médico, mas nem sempre isto acontece. O segundo, organizacional: descentralização centralizante, com o espectro do antigo INAMPS renascendo nas secretarias estaduais ou municipais de saúde. O terceiro, econômico: carência de recursos em paralelo a desperdícios enormes, ocasionando a existência de profissionais desmotivados e descomprometidos. Falta de recursos materiais ou financeiros com sérios desvios. O quarto, assistencial: resolutividade do ato médico entendido apenas nos estágios avançados de organização da saúde. Não existe promoção da saúde e a prevenção está reduzida praticamente à vacinação e olhe lá. O diagnóstico e tratamento constituem a verdadeira medicina, praticada nas enfermarias, nas UTIS e no Centro Cirúrgico. A reabilitação é desprezada.

O Brasil aplica muito menos do que deveria, inclusive no aspecto legal, em assistência à saúde. A nossa Constituição prescreve que a saúde, ou melhor, a assistência médica, é dever do Estado e direito de todos, bem como a necessidade de um eficaz saneamento básico, pois é fato conhecido de todos que um real investido na prevenção poupa muito mais reais consumidos na medicina curativa. E nosso diagnóstico, como economista, é assustador. O cidadão paga tributos no nível federal, estadual e municipal para que o Setor Público cumpra sua missão. E, infelizmente, constatamos reinar o caos na área. Há hospitais federais, estaduais e municipais com tarefas e regiões superpostas e a população cada vez mais abandonada.

Como já vimos, recursos existem, se bem que insuficientes. Só em CPMF, no ano de 2006, a arrecadação foi da ordem de R$ 32 bilhões. Mas não chegam ao destino final, sendo desviados para outras funções ou mal geridos, provocando desperdícios ou desaparecendo nas redes de corrupção. E a população, insegura, corre atrás de planos de medicina de grupo ou seguro-saúde, alguns se revelando verdadeiras "arapucas" e a maior parte apenas interessada em maximizar seus lucros e não com o juramento de Hipócrates. A maioria dos profissionais de saúde, na área pública, é mal remunerada, apesar de sua capacidade, enquanto uma minoria, composta de "marajás" do setor privado, enriquece numa associação espúria, canalizando pacientes para suas clínicas particulares, desde que os rendimentos sejam elevados e deixando os pacientes de alto custo na rede pública, muitos dos quais associados desses famigerados planos, sem que haja ressarcimento ao Estado dos custos do tratamento.

A solução passa pela clara delimitação de responsabilidades, com adequados orçamentos, pelas três esferas de poder. No nível federal, a responsabilidade pelo saneamento básico, pela prevenção das endemias, pela coordenação geral das atividades médicas empreendidas pelos estados e municípios. Na esfera estadual, o dever de manter hospitais de maior especificidade para atender aos problemas crônicos, de maior nível de especialização, demandando internações maiores. Aos municípios, além do reforço às funções anteriores, a responsabilidade pelo atendimento ambulatorial, a triagem, o restabelecimento do médico de família. Todos os profissionais bem remunerados, com treinamento adequado, recursos compatíveis, instalações dignas e o tratamento indicado assegurado (inclusive medicamentos e exames). Todo paciente com o direito de ser dignamente atendido, com o ressarcimento pelos planos particulares dos tratamentos efetuados, quando o paciente for associado a um deles. Assim, haverá recursos e todos serão atendidos pela rede pública dignamente. Quem tiver recursos de sobra, e o desejar, que procure os "medalhões". Na medicina não deveria haver lugar para o mercantilismo. Quem o quiser, que abandone a nobre profissão e abra um cassino.

Agora, percebe-se claramente o progressivo sucateamento da rede pública, o desprezo por seus profissionais, numa clara preparação da privatização total do setor. Os planos particulares já possuem mais de 40 milhões de associados. Faltam-lhes apenas os hospitais. E o planejamento dos "mercantilistas" da saúde é justamente este. Tornar os hospitais públicos inviáveis para comprá-los a preços vis, tornando-se assim possuidores deste vasto patrimônio, construído com recursos de toda a população que, como sempre, será esbulhada.

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